SÍNTESE
DA LEITURA DO LIVRO : EDUCAÇÃO FÍSICA CUIDA DO CORPO E ...”MENTE”, AUTOR : JOÃO PAULO S. MEDlNA
.2007
O livro descreve sobre uma sociedade atual que não sabe o
verdadeiro sentido da Educação Física. Uma sociedade consumista que consome a si
própria. Veja, por exemplo, a “moda do corpo perfeito” dos últimos tempos. Parece que, de repente, ter corpo perfeito significa que você acabou de adquirir um produto-recentemente inventado em Paris. Os profissionais de Educação Física não devem cair nas armadilhas do consumismo. Devemos ter o senso crítico em relação a Educação
Física, para anunciar seus reais benefícios.
Ele também relata que é preciso acontecer uma revolução, que
comece com uma crise, que para crescermos como sujeitos sociais, precisaremos,
entre outras coisas, aprender a criticar e ser criticados. Isso vale dizer que,
ao incorporar a humildade, o desprendimento, o profundo respeito às pessoas, a
confiança e a esperança, estaremos aprendendo a ser "pedra" e
"vidraça" com a mesma facilidade e desinibição; o que significa
reconhecer as regras de um verdadeiro diálogo.
Isso só acontecerá se dispusermos a assumir um compromisso com nós mesmos, com os outros, com o
mundo e com a vida.
Pensar numa inversão dessa ordem estabelecida em nossa sociedade
de consumo
parece
estar fora de cogitação para a maioria. A superficialidade e a inautenticidade
têm caracterizado a maior parte de nossas relações sociais.
É, no mínimo, interessante perceber que determinados assuntos
relevantes, e mesmo decisivos para a realização plena do homem e da sociedade,
são simplesmente marginalizados, como se houvesse coisas mais importantes. É
nessa perspectiva que se torna necessária, antes de mais nada, a nossa determinação
em participar desse processo de transformação do homem e da sociedade
brasileira.
O que diferencia fundamentalmente os seres humanos dos outros
seres vivos são suas consciências. A consciência do homem pode ser entendida
como o estado pelo qual o corpo percebe a própria existência e tudo o mais que
existe. Dessa forma, poderíamos dizer que a consciência está gravada no
corpo. O próprio conceito de liberdade não pode deixar de
lado essa referência. Desta forma, a consciência pode representar a nossa
liberdade ou a nossa prisão. Voltando à comparação do homem com outros seres
vivos, em especial com outros animais, vamos notar que a racionalidade do homem
lhe dá a oportunidade de transcender, de ultrapassar o determinismo biológico
característico dos demais seres. Ao homem é possível, portanto, a opção de escolha.
Pode, até certo ponto, escolher o seu caminho. E isso é liberdade. Mas, devemos lembrar que a liberdade não se
ganha, e sim, se conquista.
O homem só pode crescer quando começar a perceber suas próprias
atitudes e começar a muda-las, em relação aos outros.
A teoria freiriana distingue três graus de consciência em relação às
possibilidades que as pessoas têm de interpretar e de atuar no mundo em face de
suas existências.
O primeiro nível de
consciência caracteriza aqueles
indivíduos incapazes de percepções além das que lhes são biologicamente vitais.
Vivem praticamente sintonizados no atendimento básico de suas necessidades de
sobrevivência, como: alimentação, relacionamento sexual, trabalho e repouso,
que são as necessidades biológicas vitais. Usando uma expressão de Martin
Heidegger, diríamos que esse tipo de homem se constitui em um "ser no
mundo" plenamente "possuído pelo mundo". Essa consciência é
chamada intransitiva.
No segundo nível de consciência aparece a consciência transitiva ingênua.
Os portadores dessa modalidade de consciência são capazes de ultrapassar
os seus limites vegetativos ou biológicos. Restringem-se, entretanto, às
interpretações simplistas dos problemas que os afligem. Suas argumentações são
inconsistentes. Acreditam em tudo que ouvem, leem e veem ou, por outro lado,
assumem posições tendentes ao fanatismo. Esses indivíduos são dominados pelo
mundo como objetos, ou porque não conseguem explicar a realidade que os
envolve, ou porque seguem prescrições que não entendem.
Já o terceiro nível, finalmente, temos , uma consciência capaz de transcender
amplamente a superficialidade dos fenômenos e de se assumirem como sujeitos de
seus próprios atos. Apoiam-se em princípios causais na explicação dos
problemas. Eliminam
as
influências de preconceitos. Percebem claramente os fatos que os condicionam em
suas relações existenciais, tornando-se capazes de transformá-las. Esta é a
consciência transitiva critica. Só é possível
alcançar este último grau crítico de consciência por intermédio de um projeto
coletivo de humanização do próprio homem e também com um diálogo entre as
pessoas. Mas um diálogo que ultrapasse as limitações que normalmente lhe são
impostas
nas
relações entre as pessoas.
Uma primeira atitude e condição para que o diálogo aconteça é o amor. O segundo fundamento para tornar possível o diálogo é humildade, ou seja, a
atitude pela qual o sujeito se reconhece inacabado e percebe a necessidade de
dialogar e colaborar com outros para transformação do mundo que o envolve e
desenvolver-se como pessoa. Outro fundamento importante é a esperança na
possibilidade de que todo homem tem de assumir-se como sujeito. Outra é a confiança no homem em
geral, e concretamente nas pessoas com quem se convive e trabalha, é outro
fundamento para o diálogo.
Dessa forma, o diálogo necessita também daquilo que Paulo Freire
chamou de serviço.
O serviço supõe que a busca da auto realização se faça por meio da
promoção humana do outro, o que por sua vez, implica a renúncia ao modo de
realização individualista.E como último fundamento para que o diálogo se
efetive temos o testemunho, que é a forma mais elevada de serviço.
Esta atuação decorre de uma opção radical e coerente, pela qual se exige tudo
de si, antes que dos outros.
Um processo de consciência coletiva que leve o homem, através da ação, a
buscar sempre a sua realização plena, melhorando a
qualidade de sua vida, conjuntamente com os outros.
Quem decide em favor da
vida tem de "mergulhar" nela em sua totalidade. E quem decide
mergulhar não pode esperar molhar apenas uma parte de seu corpo.
Quem mergulha molha-se "inteiro". Ou se acredita no homem
ou não se acredita. Precisamos assumir posições quaisquer que sejam elas, fundamentá-las
criticamente e defendê-las.
E, acima de tudo, há de se respeitarem as posições contrárias. Não
é possível conviver semesses conflitos e contradições, se é que pretendemos
buscar um projeto coletivo de convivência mais humana. Um projeto coletivo que
comece no respeito ao indivíduo como pessoa.
Todo indivíduo
que depende do seu trabalho vive num contexto sociocultural, político e
econômico, e a ele está condicionado.
Qualquer que seja a
especialidade do homem que trabalha, sua tarefa deve ser percebida dentro da
totalidade em que funciona. Caso contrário, torna-se atividade alienante,
fazendo com que aquele que a desempenha se caracterize mais como objeto do que
como sujeito, dono do seu próprio processo existencial.
Em algumas profissões,
talvez mais do que em outras, essa percepção do todo, esse desvelar do mundo
considerado por meio da interação do sujeito com os outros sujeitos, torna-se
ainda mais fundamental. É este o caso do professor, em especial, do professor
de Educação Física.
Outra importante questão é compreender o pedagógico da ação
política e o político da ação pedagógica reconhecendo-se que a educação é
essencialmente um ato de conhecimento e de conscientização e que, por si só,
não leva uma sociedade a se libertar da opressão...
Depois de Paulo Freire ninguém mais pode negar que a educação é
sempre um ato
político.
Mesmo aqueles que tentam argumentar o contrário, afinando que o educador não
pode "fazer política", estão defendendo certa política, a política da
despolitização ... Se a educação brasileira sempre ignorou a política, a
política nunca ignorou a educação. Não estamos politizando a educação. Ela
sempre foi política. Ela sempre esteve a serviço das classes dominantes.
Costuma-se
distinguir , entretanto, essa manifestação efêmera como a “moda”, passageira, de outras de caráter mais permanente ou
duradouro, estas chamadas por alguns de verdadeiramente culturais.
As atividades físicas, como expressão de lazer, como expresso de
trabalho ou como expressão de valorização genuinamente humana, têm sido motivo
de maior atenção nos últimos tempos por parte de psicólogos, psiquiatras, sociólogos,
educadores, filósofos, obviamente, políticos.
De repente, curtir, moldar, cuidar do corpo passou a ser moda. E mil
providências foram tomadas e, claro, colocadas no mercado, para que estas mais
"recentes necessidades" das pessoas fossem atendidas.
De repente, é preciso
cuidar do corpo. É preciso tirar o excesso de gordura. Épreciso melhorar o
desempenho sexual. É preciso melhorar o visual. É preciso competir. É preciso,
acima de tudo, vencer. Vencer no esporte e vencer na vida. Mas acontece que
nunca perguntamos a nós mesmos o que é realmente vencer na vida.
Dentro deste panorama, a
Educação Física se desenvolve e prolifera em nosso país. E hoje, mais do que em
nenhuma outra época, ela vem atendendo a toda essa demanda da sociedade de
consumo. Dessa política e econômica apresentam problemas que só o governo, por
intermédio de políticos e tecnocratas, poderia resolver e discuto:,e ninguém
mais.
Os homens como um todo têm que se fazer sujeitos da história, e não
objetos. Devem fazer-se livres, e não alienados.
Não se pode esquecer que estamos todos envolvidos pela mentalidade
do ter mais, mesmo que isso implique ser menos.
Por mais paradoxal que possa parecer, as propostas alternativas de
abordagem do corpo e de seus movimentos têm surgido muito mais fora do circulo
da Educação Física do que de dentro dele. Mesmo as críticas cada vez mais acentuadas às
atividades militarizadas, como a calistenia
e algumas modalidades de ginástica, ou ainda a aspectos como a monocultura do
futebol em nosso país, a musculação ou o halterofilismo feminino, a
especialização precoce, o real valor de esportes como o atletismo, o
basquetebol, o tênis e o boxe, e muitos outros assuntos que deveriam dizer
respeito ao profissional da Educação Física, não são devidamente pesquisados
nas escolas, com seus currículos ultrapassados.
E é assim que os seus profissionais ou futuros profissionais não
se posicionam
criticamente,
a favor ou contra, em relação a muitos assuntos que lhes deveriam preocupar.
A EDUCAÇÃO FíSICA
CUIDA DO CORPO ... E "MENTE"
O conhecimento adquire significação quando é
"incorporado", quando se dissolve no corpo. Somente dessa forma o
conhecimento altera a qualidade de ser do homem.
Segundo George
Gurdjieff, por exemplo, há uma diferença básica entre conhecer e entender: o
conhecimento - a aquisição de fatos, dados, informações - é útil ao
esenvolvimento humano apenas até o ponto em que aquilo que foi adquirido é
absorvido ou assimilado pelo nosso ser, isto é, só até o ponto em que é
entendido. Se alguma coisa é sabida mas não entendida, haverá mentiras sobre
ela porque não podemos transmitir uma verdade que não conhecemos.
A escola, como
instituição oficial, é fértil em produzir esse tipo desconhecimento. Sem
maiores comprometimentos com a verdadeira natureza do ser humano e, portanto,
sem maiores preocupações com os aspectos mais significativos do seu
crescimento, pouco contribuem para que os alunos se realizem como pessoas,
embora, às vezes, auxiliando-os em sua formação profissional. Mas de que valem
as profissões e o próprio trabalho, se não contribuírem para dar soluções aos
nossos problemas mais essenciais e em melhorar a qualidade de nossa existência?
O corpo humano, salvo raras exceções, é tratado pura e
simplesmente como um objeto em nada diferente de uma máquina qualquer: um carro
ou, na melhor das hipóteses, um computador mais sofisticado. Assim, eliminam-se
dele todas as peculiaridades do animal
racional capaz de falar, sorrir, chorar, amar, odiar, sentir dare
prazer, brigar
e
brincar, capaz de ter fé e transcender, com sua energia, a própria came.
Visite uma dessas grandes
clínicas médicas especializadas em algum pedaço do corpo e a situação se
tornará evidente. Outro dia, meu pai, necessitando de uma radiografia do
estômago, foi testemunha do ponto a que chegamos: sentado há algum tempo na
sala de espera, ouviu a seguinte frase do radiologista para sua assistente:
"ük, mande entrar o próximo estômago". O caso parece episódico, mas
na verdade é bem sintomático e crescente, não só na medicina, como também em
outras profissões especializadas, entre elas a Educação Física. Exemplos
alarmantes de desrespeito à totalidade e à dignidade do ser humano são observados
a todo momento. Falta a todas essas especializações um referencial básico que
valorize o homem. O que ocorre é que essa valorização parece diluir-se
gradativamente, à medida que tentamos compreender o todo a partir das partes. A especialização não pode
deixar de levar em conta esse referencial
básico de valorização do homem para, em cima dele, crescer.
O que pretendo é,
tão-somente, demonstrar a necessidade de uma compreensão tão global quanto
possível da nossa existência como fenômeno essencialmente humano, recuperando,
assim, os seus mais legítimos valores, entre eles a própria dimensão do corpo.
Este conceito persiste, em virtude das fortes crenças na noção de divisibilidade
do homem. Dllf resulta outro conceito historicamente velho e profundamente
enraizado de que a educação trMa das atividades mentais, a religião das
atividades espirituais, e as atividades
físicas
não s6 têm pouco interesse para o educador e o te6logo, mas são também, na
realidade, de nível inferior e não merecem a atenção dos que se preocupam com
as atividades "mais elevadas" e "mais significativas" do
espírito e da mente.
Também aqui surgem limitações de ordem prática. Dois dos
principais tipos de monismo são o materialista
- que interpreta a realidade fundamentalmente em função da matéria. Suas
conseqüências têm desembocado no senso comum em posturas que empobrecem a
própria dimensão corpórea do homem, excluindo-se suas potencialidades e
expressões mais significativas.
E o idealista - que reduz a matéria a uma simples
aparência mental. No monismo idealista, a realidade fundamental é o espírito. Nesse
conceito, desconsidera-se o corpo, entendendo-o como um simples instrumento acessório
do espírito.
Acredito que a filosofia, como disciplina de conhecimento, assume sua
função mais nobre quando ultrapassa o seu hermetismo elitista e penetra no
senso comum, democratizando-se e, portanto, sendo útil às pessoas.
Consideremos,
inicialmente, a posição dualista ou pluralista, que interpreta,
respectivamente, a alma e o corpo, ou o corpo, amente e o espírito como substâncias
nitidamente distintas e irredutíveis. Tal concepção tem levado o homem, através
dos fundamentos que o norteiam, à sua fragmentação.
Nesse pmticular concordo com Delbert
Oberteuffer e Celeste Ulrich, quando, em sua obra Princípios da Educação Física, observam que: Concordo
ainda quando afirmam que mesmo na Educação Física há os que agem pensando nessa
noção de divisibilidade do homem:
Desenvolver o corpo parece, para esses profissionais, um trabalho relativamente
simples, que se executa através de exercícios e treinamentos contínuos. E se o
exercício é o objetivo principal da Educação Física, então, por que se
incomodar com outras coisas'? E a linha de argumentação é sempre deste teor.O
corpo não recebe a dignidade que lhe cabe. Continuará sendo um amontoado de
carne, ossos, pele e alguns outros acessórios, só se mantendo vivo enquanto
houver uma alma ligada a ele.
O homem é um ser
incompleto e inacabado, e são as suas relações com os outros e o mundo o que o
tornam possível. O homem isolado é uma abstração. O homem concreto é aquele entendido no seu
contexto, inseparável de suas circunstâncias, onde suas relações se fazem
dinâmica e reciprocamente.
Os trabalhos de Karl Marx foram bastante expressivos. Ele
valorizou definitivamente o papel social do homem e percebeu o seu vínculo com
a natureza, chegando a afirmar até que "a natureza é o corpo inorgânico do
homem".
Observamos, anteriormente, que o homem é um ser por se fazer. Um
ser incompleto, inacabado, e que só é viável por meio de suas relações com os
outros seres e com o mundo.
A educação seria um processo pelo qual os seres humanos buscam
sistemática
ou
assistematicamente o desenvolvimento de todas as suas potencia!idades, sempre
no sentido de uma auto-realização, em conformidade com a própria realização da
sociedade.
Nas palavras de Saviani, ela seria "o processo de promoção do
ser humano que, no caso, significa tornar o homem cada vez mais capaz de
conhecer os elementos de sua situação para intervir nela, transformando-a no
sentido de uma ampliação da comunicação e colaboração entre os homens" É
por intermédio dessas transformações que se atende à grande finalidade da
educação como processo: tornar as pessoas cada vez mais humanas.
O se humano esvazia-se, na proporção em que objetivos menores são
tomados como
as
grandes metas do processo educativo. Na caracterização do significado da
educação, ficou implícito que o ato educativo só se completa quando se provoca
uma mudança no comportamento e em nossas atitudes.
Todos nós deveríamos entender que a palavra, por exemplo, seja escrita
ou falada, por si só não provoca mudanças no comportamento.
Não é a palavra nem o
gesto, ou mesmo a imposição do professor sobre o aluno, que vão educá-la verdadeiramente.
Nesse sentido, ninguém educa ninguém. O contato do mestre com o discípulo pode
ser uma riquíssima troca de energias, em que o primeiro tem as suas
responsabilidades específicas e, portanto, age como incentivador e organizador!"
do processo educacional sistematizado, mas, ao mesmo tempo, poderá receber
estímulos igualmente educativos, se assim o decidir. Poderíamos dizer, então,
que numa efetiva interação entre professor e aluno, ambos se educam, O
profissional de Educação Física que percebe essa relação afetiva transforma a
sua ação em um gesto de amor em que todos se beneficiam.
As sinergias musculares que caracterizam fisiologicamente o movimento
humano serão tanto mais ricas quanto mais trouxerem no seu bojo uma expressão significativa
da própria vida, caso contrário, tornam-se gestos mecânicos em nada diferentes
daqueles de que é capaz um robô ou outra máquina qualquer.
Entre as finalidades mais autênticas e legítimas da Educação Física
e sua realização prática, cujo profissional se coloca face a face ou corpo a
corpo, diante daqueles que estão sob sua orientação, é que se interpõem as
barreiras que precisam ser vencidas. E é também aí que
aparecem
as verdades e as mentiras de cada uma de nossas ações.
É da consideração dessas situações práticas que acontecem no ginásio, no
campo, na quadra, na piscina, na pista, no salão de danças, no tablado de tatame,
no pátio, no bosque, na sala de aula, ou mesmo na rua, que ficam anuladas as
abstrações sem sentido. Tomemos como exemplo o ato de andar ou correr,
instrumento dos mais naturais utilizado pela Educação Física. Se o profissional
da área, seja ele educador em uma escola ou treinador em um clube esportivo,
considerar tal ato em sua forma "bruta", isto é, no seu sentido fisiológico
mais vulgar - como é comum, sem interpretá-lo em toda a sua essência - estará a
empobrecê-lo substancialmente. O correr de uma criança não é o mesmo de um
adulto, como o andar de uma mulher não é o mesmo de um homem, Da mesma forma, o
andar e o correr de um
homem
não são iguais ao de outro. O caminhar da pessoa de uma classe social carente
não tem o mesmo significado do caminhar de alguém vindo de uma classe social
mais favorecida, O mesmo podemos dizer a respeito de cada movimento humano, que
não se repete de forma mecânica e idêntica, não só de uma pessoa para outra,
mas também se diferencia na mesma pessoa em momentos distintos.
Hoje eu posso correr, sentindo-me disposto, leve e alegre, Amanhã,
por um motivo
qualquer
ou mesmo sem motivo aparente, talvez esteja me sentindo indisposto, pesado e
triste, embora possa estar melhor fisiologicamente (mais treinado ou adestrado)
em relação há algum tempo.
Correr três mil metros em dez minutos pode ser um objetivo
imediato, particular ou específico de um programa de Educação Física, mas nunca
uma finalidade em si, nem mesmo em um esporte de alta competição.
O ser humano se movimenta sempre de uma forma simbólica e expressiva,
Aquele que não procura interpretar essas significações não pode estar sabendo
exatamente o que está fazendo.
O aumento indiscriminado do número de escolas de Educação Físican o
período de 1968 a 1975, embora tenha sido um sintoma de abertura do mercado de
trabalho, provocou uma inevitável queda da qualidade de ensino, obrigando as
escolas à absorção de pessoal docente sem os requisitos necessários para exercer as suas funções.
Como resultado, foram - e estão sendo - jogados no mercado
profissionais totalmente desqualificados para a realização de papéis com cunho
educativo.
Só mesmo uma firme
convicção e a esperança nas reais possibilidades do homem é que poderão manter
vivas as forças capazes de transformar a escola em um templo onde se cultive o
efetivo saber e que colabore com os aspectos afetivos e psicomotores dos educandos.
PERGUNTA:
Em sua opinião, o que é Educação Física?
RESPOSTAS:
"Acho que é saber de uma maneira mais correta, mais adequada
e
precisa em como educar o físico."
"Educar o físico (e a mente), não podemos nos restringir apenas
a educar e desenvolver o indivíduo apenas fisicamente temos também que educar a
mente desses alunos que nos chegam em pleno período de transição. Não existe só
o corpo, temos também a cabeça, cérebro. Os movimentos não podem ser mecânicos,
sem vida, há um motivo para fazer o que esta fazendo, e eles devem saber o que
estão fazendo e porque.
Se, como vimos, definir a Educação Física parece ao estudante uma
tarefa tão complicada, isso talvez seja um sinal indicativo de que os próprios
professores e demais técnicos especializados também não tenham deixado muito
clara a noção de seu significado.
Nada é mais revelador da carência de reflexão e fundamentação
nessa atividade profissional do que tentar posicionar os papéis da Educação
Física, ou seja, situar os seus propósitos.
Toda manifestação humana é movida por valores que
determinam certos ideais, certas finalidades e certos objetivos. Evidentemente,
esses valores são culturalmente moldados e se modificam de acordo com as variáveis
que o momento histórico lhes impõe.
É nesse contexto que os objetivos da Educação Física têm variado
em gênero e número através dos tempos. Na época do Império, por exemplo, a
nossa educação era nitidamente dividida em uma educação intelectual, outra
moral e outra física, que correspondiam respectivamente às dimensões da mente,
do espírito e do corpo.
A Educação Física daquele tempo tinha como preocupação básica melhorar
o nível de saúde e higiene da população escolar. Da mesma forma, considerar que
a grande meta da Educação Física ainda hoje seja a aquisição e a manutenção da
saúde - por meio de preceitos de higiene que incluam algumas sessões semanais
de ginástica - significa estar atrasado um século.
Uma verdadeira educação deve criar condições para que aluno se torne sujeito de sua própria
história; ao contrário, o que faz é promover uma instrução que leva suas
vítimas, na melhor das hipóteses, a uma produtividade alienante.
Mas, apesar de tudo, fiquemos ainda com a esperança, por um desses
alunos que, na simplicidade de suas palavras, não deixa de demonstrar uma certa
frustração com aquilo que a escola lhe proporcionou: "A Educação Física é
um artifício não muito bem utilizado por todos nós professores, futuros
professores e mesmo pais e demais pessoas. Apesar disso, acredito no valor da
Educação Física como um meio muito bom de desenvolvimento físico e mental, que
auxilia no desenvolvimento total do homem ... Só que para auxiliar nós
precisamos melhorar muito o nosso preparo. Espero que consigamos".
A grande falha da escola como instituição oficial não está só
naquilo que ela se propõe a ensinar, mas também na irresponsabilidade e no
descompromisso com que os estudantes aprendem efetivamente.
Retomemos mais uma vez o termo "saúde", tão utilizado
como expressão ligada aos objetivos da Educação Física. Mesmo considerando o moderno
conceito de "um estado de completo bem-estar físico, mental e social",
este seu sentido pode não estar contribuindo em nada para um ato educativo mais
eficaz. Se algo não se processar na consciência do professor e do aluno,
tal conceito continuará tão vago quanto qualquer outro de épocas anteriores. É
preciso, antes de mais nada, que se entenda visceralmente o que é esse
estado de completo bem-estar físico, mental e social.
A preocupação fundamental da Educação Física seria apenas com um
bem-estar físico? Se a resposta for negativa, qual é o exato significado de um
bem-estar mental e social? Um estado de completo bem-estar social é estar de
pleno acordo com as regras que a sociedade nos impõe? Contestar uma sociedade
doente como a nossa não seria por acaso
uma
atitude profundamente saudável? Se contrariarmos os valores vigentes não
seremos taxados de desequilibrados, ou mesmo loucos ou alienados? O que é, na
verdade, ser alienado? São perguntas que devem ser respondidas criticamente por
todos aqueles que estão à procura de um ato educativo autenticamente
democrático, libertador e, portanto, humano.
Enquanto não se repensarem com mais clareza e profundidade as situações
como as da vida estudantil brasileira, com todas as suas variáveis de
caráter sociopolítico, econômico e cultural em que se processa o aprendizado com
sentido educativo, sua pobreza estará seguramente garantida.
Que duvida poderá subsistir de que a vida do cérebro e,
conseguintemente, a da inteligência tenham como fatores essenciais a vida muscular,
a vida nervosa e a vida sanguínea, isto é, a regularidade harmoniosa de todas
as funções e a saúde geral de todos os órgãos do corpo?
E isto a Educação Física não tem levado em consideração. O seu
papel tem sido muito mais o de uma domesticação, reforçando as consciências
intransitivas e ingênuas, do que de uma superação (libertação) das limitações e
dos bloqueios com os quais estamos envolvidos em termos de pensamento,
sentimento e movimento.
Enquanto as escolas de Educação Física não se convencerem de que, a
par das informações técnicas dadas aos seus alunos, devem dar a eles subsídios
que os ensinem a viver mais plenamente dentro de todas as suas dimensões
intelectuais, sensoriais, afetivas, gestuais e expressivas, estarão sendo
inautênticas, pobres e insignificantes no sentido de promover vidas mais cheias
de vida.
Enquanto os profissionais de Educação Física não abrirem os olhos
procurando penetrar em sua realidade de forma concreta por meio da reflexão
crítica e da ação, não serão capazes de promover conscientemente o homem a
níveis mais altos de vida, contribuindo assim com sua parcela para a realização
da sociedade e das pessoas em busca de sua própria felicidade.
Uma Educação Física preocupada exclusivamente com seus objetivos
particulares e, consequentemente, desvinculada de suas finalidades mais gerais,
não pode estar atendendo às
nossas
necessidades mais caras.
Essa ação que a Educação Física vem desenvolvendo no plano
educacional - entendido em toda a sua extensão - constitui-se, por assim dizer,
numa verdadeira mentira.
Cada época deve ser analisada pela ótica da realidade que a circunscreve
e não faz sentido a aplicação de princípios antes prevalentes mas que
atualmente se mostram superados pelos novos conhecimentos estabelecidos. Nas
ciências não existem verdades eternas. Tudo ocorre de maneira dinâmica, e é
assim que a Educação Física deve evoluir, enriquecida constantemente por
elementos mais significativos ao crescimento humano.
Acredito que somente de uma maneira integral
o corpo poderá se constituir num objeto específico da Educação Física como uma
ciência do movimento.
Mesmo no caso do esporte de alta
competição, em que os objetivos se voltam para o rendimento e o resultado, a
vida mais plena do homem não pode, em hipótese alguma, ficar comprometida.
Qual é o sentido de um esporte que se
esqueceu de que existe para melhorar a qualidade de vida dos homens, e não para
robotizá-los na busca obsessiva e indiscriminada do recorde ou do primeiro
lugar, transformando-os, às vezes, em monstros humanos?
UMA NOVA PERSPECTIVA PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA
Só ao humano é permitida a percepção de
si mesmo, dos outros, dos seus próprios atos,do mundo e de toda uma realidade
que o caracteriza, ao mesmo tempo em que pode ser modificada artificial e
intencionalmente por ele.
Delimitando nossa área de análise à
realidade brasileira, podemos dizer que, no caso da Educação Física, ela tem
sido incapaz de justificar a si mesma, quer como disciplina formal e
predominantemente educativa, quer como atividade que auxilie alguns aspectos do
desenvolvimento humano fora da escola e, em especial, no esporte de alta
competição ou
de rendimento. Isso se deve preponderantemente à falta de
disposição crítica que tem caracterizado esse campo específico do conhecimento.
Muito pouco se tem refletido - pelo
menos de maneira séria e profunda, sobre o real significado de uma cultura do
corpo que fundamente a Educação Física, propiciando, por parte de seus
profissionais, uma atuação coletiva mais comprometida com um real estado de
bem-estar físico, mental e social de toda a comunidade nacional, e não apenas
da parcela privilegiada representante de uma minoria.
Evidentemente, a tarefa do nosso
profissional de Educação Física em sua função básica como agente renovador e
transformador da cultura subdesenvolvida em que vive só poderá se concretizar
por intermédio de uma prática. Somente as nossas ações é que poderão efetivar
mudanças numa determinada situação. Contudo, qualquer prática humana, sem uma
teoria que lhe dê suporte, torna-se uma atitude tão estéril
(apenas imitativa) quanto uma teoria distante de uma prática que a sustente.
Mas para que serve à Educação Física nacional
uma discussão dessa natureza? Acredito pessoalmente que ela seja ponto decisivo
para a elaboração de uma metodologia que conduza, de uma forma mais ou menos
lúcida e organizada, qualquer processo de alteração dos valores socioculturais
vigentes para outros mais compatíveis com o desenvolvimento das potencialidades
humanas.
A superação de uma consciência comum,
convertendo-a em uma consciência filosófica cada vez mais crítica e, portanto,
apta à transformação, implica necessariamente perceber, implícita ou
explicitamente, que as relações entre nossas ações e reflexões são fenômenos
que se completam e que, embora possam ser consideradas de maneiras distintas,
não se excluem.
E a teoria
que não se enraíza neste pressuposto não é teoria porque permanece no horizonte
da abstração, da conjetura, porque não ascendeu ao nível de ação.
Práxis entendida como o coroamento
da relação teoria/prática e como questão, eminentemente humana. O animal
absolutamente não pode ser o ser da práxis?
(...) é no fazer que (o homem) se faz constantemente, e nesta
relação, ele cresce e se "define" como homem. O que é práxis? Não
sendo prática pura é a prática objetivada (individual e socialmente) pela
teoria.
A
práxis, enfim, é a ação com sentido humano. É a ação projetada, refletida,
consciente, transformadora do natural, do humano e do socia1.
Os currículos das escolas atuais não se
preocupam em fundamentar essa importante área do conhecimento humano, dando-lhe
uma base teórica mais sólida. Mais do que nunca, tem-se reforçado a idéia de
ser ela uma disciplina exclusivamente prática, sem maiores necessidades de
reflexões que questionem o valor de suas atividades para a formação integral da
mulher e do homem brasileiros.
O que tem sido preservado com muita
eficiência é um determinado conjunto de atividades (conteúdo) que talvez atenda
aos fins utiJitaristas e funcionalistas de todo um sistema, mas que pouco ou
nada tem contribuído para as finalidades de uma autêntica educação brasileira.
Nesse sentido, não é exagero concluir
que estamos diante de uma Educação Física quase acéfala, divorciada que está
de.um referencial teórico que lhe dê suporte como atividade essencialmente -
mas não exclusivamente - prática.
Desse prisma, torna-se fundamental que
todos os envolvidos na causa da Educação Física nacional pensem e repensem
constantemente as suas bases filosóficas, buscando resgatar a essência do ato
verdadeiramente humano e para que, dentro de nossa realidade, possamos
encontrar novos caminhos, fatalmente diferentes daqueles trilhados até aqui.
O certo é que a Educação Física não
sairá de sua superficialidade enquanto não se posicionar criticamente em
relação aos seus valores, ou, em outras palavras, não se questionar quanto ao
real vaIor de sua prática para as pessoas e para a comunidade a que serve.
E quando digo que a Educação Física não
é capaz de justificar a si mesma, ou que não é capaz de encontrar a sua própria
identidade, isso na verdade, quer dizer que os seus profissionais não são
capazes de justificá-la ou de dar uma identidade a ela (e, por consequência,
não conseguem defini-la satisfatoriamente).
Trocando em miúdos: quem faz a Educação
Física são as pessoas nela envolvidas de uma forma ou de outra. Assim, as
finalidades, os objetivos, os conteúdos, os métodos e o próprio conceito dessa
disciplina são condicionados pelo grau de consciência individual e coletiva dos
que trabalham nessa área da atividade humana.
Um professor, por exemplo, precisa se
comprometer com a sua visão educacional para poder desenvolver o seu trabalho
eficientemente, contribuindo com o crescimento de seus alunos. Nesse sentido
limitado, vale mais até aquele mestre tradicional que se utiliza de métodos
considerados ultrapassados mas vocacionado para a sua missão do que aquele que,
embora usando técnicas modernas de ensino, não sabe ao certo o que está
fazendo.
Embora as ciências tenham alcançado níveis nunca
antes igualados em termos de rendimento (desempenho), creio ser válido
questionar se todo esse "progresso" tem contribuído de fato para o
verdadeiro progresso humano, na medida em que ele estiver condicionado por
elementos que o tornam manifestação alienante ou dirigida para o interesse de
uma pequena "casta" social. O que se vê, hoje em dia, é que, na busca
indiscriminada do recorde, do primeiro lugar, da vitória, às vezes ganhamos a
competição e perdemos a vida (quando não ocorre temos ou tomamos ao
realizá-la.
O conjunto de atitudes que tomamos caracteriza
a nossa postura. E essa postura só é válida quando implica assumir compromissos
(e não apenas "assumir" certos conceitos). Uma análise criteriosa das
variadas concepções da Educação Física deve envolver, evidentemente, o contexto
histórico-cultural (sociopolítico-econômico) em que se insere a cultura do
corpo e a própria Educação Física.
Tal análise também não pode deixar de levar em
conta que os seres humanos, apesar de guardarem certas semelhanças fundamentais
entre si, são muito diferentes uns dos outros.
Por essas constatações podemos concluir
que a evolução da Educação Física não depende tão-somente da evolução natural,
objetiva e neutra que as ciências, que lhe dão suporte, alcançam com o passar
do tempo. Esta me parece uma visão muito simplista do problema em de perdermos
os dois), pois abafamos as manifestações mais sinceras de respeito aos nossos
concorrentes, amor pelas pessoas, solidariedade entre os homens, justiça social
para todos, crença no ser humano e compromisso com a vida, em sua mais pura
acepção.
No caso brasileiro é preciso realizar uma
revolução nos espíritos e nos fatos, e, para isso, a primeira condição é criar,
ou recriar, uma concepção sã e clara da Educação Física, do Desporto e do
Esporte para Todos, baseada em conscientização honesta e atual e derivada
de uma mudança de comportamento social e político.
A primeira condição de êxito é criar -
ou recriar - uma concepção sã e clara da Educação Física, para finalmente
desenvolver uma outra corrente social".
Profissionais substituam sua visão
vulgar de corpo, de homem e de mundo, e adquira uma consciência mais crítica,
único caminho para que aquele projeto de humanização se efetive.
Essa primeira concepção está apoiada na
visão do senso comum. Senso comum aqui entendido como a visão mais corriqueira,
mecânica, simplista e vulgar que se faz do ser humano e do mundo. De maneira
que ela recebe forte influência da tradição e, de celta forma, da pedagogia tradicional.
E como essa pedagogia possui uma visão
dualista ou pluralista do homem, tendo como uma de suas características a
produção de um "espírito" superior, erudito, culturalmente
intelectualizado, tende a desvalorizar o corpo, ou considerá-lo num plano
secundário, embora não o admita tão explicitamente.
Por essa razão, quando trabalha o corpo,
faz isso de maneira fragmentada e não o percebe além dos seus limites
biológicos.
Assim é que os profissionais portadores
dessa concepção se sentem muitas vezes constrangidos ao assumir o papel de
educadores, desvalorizando-se a si próprios e sendo desvalorizados pela
comunidade na qual trabalham. O seu conceito básico é que a Educação Física se
constitui numa "educação do físico".
Claro está que uma tal educação é muito
mais um adestramento do que educação propriamente dita. Sua preocupação
fundamental é com o biológico, com os aspectos anátomos-fisiológicos.
Preocupa-se com os aspectos fisicos da saúde ou do rendimento motor do homem.
Os adeptos dessa concepção definem a Educação
Física simplesmente como um conjunto de conhecimentos e atividades específicas
que visam ao aprimoramento físico das
pessoas. Os aspectos
psicológicos e sociais aqui ocupam um papel periférico, secundário ou mesmo irrelevante.
Certas doutrinas naturalistas, nacionalistas e outras de origem
militar tiveram influência marcante nessa concepção. Esse fato ajuda a justificar
algumas de suas características, inclusive a de não se respeitarem muito as diferenças
individuais, já que comumente a orientação é que a mesma atividade seja
realizada identicamente por todos.
O perfil apresentado nos permite
concluir que aqueles que ainda hoje, mesmo diante de toda a evolução alcançada
pela ciência e pela pedagogia, continuam entendendo a Educação Física através
dessa concepção convencional, é porque possuem um grau de percepção da realidade
bastante baixo ao qual poderemos chamar de consciência intransitiva, num
sentido semelhante àquele dado pelo pedagogo Paulo Freire.
Uma diferença radical entre as duas
concepções é que uma considera a Educação Física como a "educação do
físico", enquanto a outra a considera como uma "educação através do
físico".
Pela concepção modernizadora podetiamos
dizer, então, que a Educação
Física é a disciplina que, através do movimento, cuida do corpo
e da mente.
Numa
definição mais elaborada, essa disciplina poderia ser interpretada como a área
do conhecimento humano que, fundamentada pela interseção de diversas ciências e
por meio de movimentos específicos, objetiva desenvolver o rendimento motor e a
saúde dos indivíduos.
Por essa concepção é possível entender a
Educação Física como
uma "educação de movimentos" e, ao mesmo tempo, uma
"educação
pelo movimento".
A Educação Física revolucionária pode
ser definida como a arte e a ciência do movimento humano que, por meio de
atividades especificas, auxiliam no desenvolvimento integral dos seres humanos,
renovando-os e transformando-os no sentido de sua auto realização e em
conformidade com a própria realização de uma sociedade justa e livre.
Os adeptos dessa idéia são, portanto,
verdadeiros agentes de renovação e transformação da sociedade, pois, ao
compreenderem os nossos determinismos e condicionamentos, são capazes de agir
sobre eles. Consideram a unidade entre o
pensamento e a ação.
Vivendo numa sociedade repressiva,
opressora e domesticadora, sabem que precisam
lutar em defesa de uma educação que verdadeiramente vise à
libertação.
Essas características evidenciam que só
é possível conceber revolucionariamente
a Educação Física por intermédio da chamada consciência transitiva
crítica. Aquela capaz de transcender a supelficialidade dos fenômenos,
nutrindo-se do diálogo, e agindo pela práxis, em favor da transformação no seu
sentido mais humano.
É desse elo entre ação e reflexão
que os profissionais vão retirar os elementos que servirão de alavanca na
mudança desta realidade por uma outra.
Sem o comprometimento que nos engaje
coletivamente na luta revolucionária em prol das reais finalidades da Educação,
ou mais especificamente da Educação Física, qualquer proposta não passará de
discurso vazio; simples "blá-blá-blá" que, quando muito, pode ser
enriquecido com algumas frases de efeito e palavras bonitas, mas que
concretamente se diluem e se perdem na complexidade de nossa existência.
Tomemos um exemplo. Talvez se perguntássemos a um profissional de
Educação Física o que significa essa disciplina, a mais bela e bem construída
resposta pudesse ser a mais pobre, se estivesse desprovida de sentido
autêntico. Isso ocorrerá se a resposta se limitar a ser um simples conceito
desprovido de senso crítico por parte daquele que o emite, e, portanto,
descompromissada do agir presente, passado e futuro desse profissional. Por
outro lado, alguém que responda honestamente: "não sei!" pode estar
dando o primeiro passo para penetrar no real significado da Educação
Física, pois estará reconhecendo a realidade de sua ignorância e abrindo espaço
para a sua superação.
Nesse ponto, é preciso saber negociar com a realidade. Não
se mudam as estruturas simplista e ingenuamente.
Esperar também faz parte da luta.
Entre a insatisfação e a frustração existe uma diferença sutil e decisiva. A
primeira pode nos empurrar para a frente, a outra pode nos paralisar
indefinidamente. Ao colocar em xeque os nossos valores, propiciamos o clima
indispensável para a aquisição de outros novos. Desse prisma, a crise é algo
fundamental no processo de renovação e transformação. O desconforto, a angústia
e a insatisfação são manifestações que podem alimentar os germes que conduzem à
evolução da consciência individual (quando agimos individualmente) e coletiva (quando
nos organizamos e agimos coletivamente). Só poderemos crescer na medida
em que aprendermos a superar todas as contradições em que estamos envolvidos
constantemente em nossa cultura e, ao mesmo tempo, a conviver com elas. Se a
situação alienante em que vivem a nossa Educação e a nossa Educação Física
ainda não foi percebida por muitos deseus profissionais, é sinal de que algo
de bastante grave está ocorrendo. Muito mais grave e incontornável do que a
própria crise que tanto assusta e desequilibra as pessoas.
Por esse quadro, podemos notar que uma
Educação Física verdadeiramente revolucionária ainda está por se fazer. Ela
apenas existe em estado potencial (em concepção) para aqueles que não se
conformam com a triste e sombria perspectiva colocada diante de nós, caso não comecemos
a questionar de maneira radical, rigorosa e global os atuais valores culturais
que nos condicionam.
Essa última concepção ainda não se
caracterizou como um projeto organizado capaz de agir coletivamente, elevando o
ser humano a melhores níveis existenciais pelo movimento.
Os profissionais de Educação Física,
quaisquer que sejam as suas áreas de atuação, s6 se realizam na medida em que
assumem plenamente o seu papel como agentes de renovação e transformação.
Procuram atingir os seus objetivos específicos, mas, ao mesmo tempo, são
capazes de auxiliar e abrir novas perspectivas para que cada um e todos sejam donos
de seus destinos.
Eles devem agir como sujeitos de sua
própria história e não como peças de uma engrenagem, determinados a realizar funções
específicas em face de uma educação domesticadora e autoritária que chega a
anestesiar os seus anseios de conquista da liberdade.
O fato de se assumir uma Educação Física
preocupada com o ser total pode significar a passagem da alienação para
a libertação.
A Educação Física será subdesenvolvida
enquanto estiver eminente ou exclusivamente voltada para o físico. Quando este
passa a representar o fim último de suas tarefas, não se pensa em mais nada.
Mas o que dizer da área da Educação Física que trata do esporte de
alta competição? Não seria, nesse caso, o desenvolvimento físico um fim em si
mesmo? O que mais interessa não é o desempenho? O que interessa não é que os
músculos sejam mais fortes, mais rápidos, mais
resistentes, mais elásticos e mais coordenados entre si para a
realização dos movimentos mais precisos e eficientes? Atingida essa meta, não
seria o resto supéJfluo? Creio que uma Educação Física centrada numa antropologia,
numa verdadeira ciência humanizadora, precisa enxergar além, transcender o rendimento
motor. Embora, no esporte, seus objetivos possam estar concentrados no saltar
mais alto ou mais longe, no correr ou nadar mais rápido, no marcar mais gols ou
mais pontos, o sentido humano dessas atividades deve ser preservado. A
integridade humana não pode ficar comprometida. Os objetivos esportivos ou
profissionais não devem seguir caminhos diferentes daqueles necessários para
que o homem, como ser imperfeito, aperfeiçoe-se como indivíduo e como ser
social.
Vivendo uma realidade que supervaloriza a vitória, nossa tendência
é a de não enxergar nada além. Para nós, a vitória (muitas vezes a qualquer
preço) passa a ser sinônimo de sucesso na vida. E é exatamente o que ela
representa numa sociedade neurótica como a nossa. Tal postura provoca inevitáveis
distorções no nosso processo de desenvolvimento social, cultural e educacional.
Não é dado ao homem o direito de falhar, de errar, de ser derrotado. O
movimento deveria, em qualquer circunstância, ser entendido como um modo para o
homem e a mulher serem mais. E nem sempre ser mais é ganhar um título,
bater um recorde, vencer uma competição. Muitas vezes, o que ocorre é que para
alcançar essas metas se faz qualquer sacrifício, qualquer imoralidade, qualquer
coisa... Para os que pensam e agem assim, não faz sentido afirmar que às vezes
também crescemos com a falha, o erro e a derrota.
O currículo de uma faculdade de Educação
Física deveria servir como referencial básico para a formação do futuro
profissional, incluindo as disciplinas fundamentais consideradas de forma
dinâmica e flexível. Isso significaria um currículo aberto às constantes
transformações e à evolução do conhecimento científico e pedagógico voltado
para a arte e a ciência do movimento humano.
Mas, no geral, os estudos
realizados se revelam quase totalmente inúteis. Representam, em última análise,
uma enorme perda de tempo. As disciplinas não se identificam com a
Educação Física. Não abordam, mesmo que do seu ângulo, a problemática mais ampla
do corpo. Muitas vezes os professores de certas cadeiras importantes, como
Psicologia, Sociologia e Pedagogia, nem ao menos têm uma noção mais exata do
que seja Educação Física para poder adaptar as disciplinas às necessidades de
seus alunos. Não se preocupam
em desenvolver com eles uma psicologia do movimento, uma sociologia
do movimento ou uma pedagogia do movimento.
Contudo, não adianta colocar o currículo
num pedestal. O que faz uma disciplina tornar-se significativa não é só o valor
intrínseco do seu conteúdo, mas também a vibração que os seus responsáveis colocam
no desenrolar do processo de ensino, permitindo que os alunos aprendam a se
comprometer.
A Educação Física, tal qual vem sendo realizada entre nós, tem-se
caracterizado pela pobreza. Ela é reflexo de uma cultura igualmente pobre em suas
manifestações. Portanto, a evolução de uma cultura do corpo que fundamente a
Educação Física deve ser trabalhada em duas frentes:
1. no sentido de rever criticamente seus princípios e propostas como
atividade preocupada com o verdadeiro desenvolvimento humano integral;
2. no sentido de democratizá-la, permitindo que todos (promotores e
beneficiários) possam ter acesso mais fácil aos conhecimentos necessários e
condizentes com esse desenvolvimento
integral da mulher e do homem brasileiros por meio do movimento.
Será possível realizarmos uma Educação
Física nos moldes aqui propostos? Dito de outra forma: Seremos capazes de sair
de uma Educação Física convencional e modernizadora para uma revolucionária? Ou
tal propósito não passa de um sonho, de uma utopia no significado mais comum e
vulgar dessas palavras?
Uma concepção verdadeiramente
revolucionária só pode ser concebida por categorias críticas de pensamento. Não
é possível projetar essa nova perspectiva utilizando-se de uma forma de
raciocínio apoiada no senso comum prevalente em nossa sociedade. Essa
constatação nos permite concluir que uma mudança de concepção implica uma
gradual mudança de percepção da nossa realidade, vale dizer, de uma gradual mudança
de consciência.
É preciso caminhar da consciência do
senso comum em direção à consciência crítica. E esse é um processo que não ocorre
de maneira isolada e individual, ou seja, distante do mundo e dos outros.
Adquirir uma visão ampla e profunda dos problemas de nossa realidade é uma
tarefa coletiva, que se constrói fundamentalmente pelo diálogo e pela práxis,
promovendo a solidariedade, a união e a organização necessárias ao crescimento
humano. Portanto, transformar nossa consciência significa transformar o sentido
da nossa própria existência.
Sem esta predisposição é impossível qualquer mudança radical. Mas
exploremos um pouco, neste final, o tema da utopia. Em seu sentido vulgar ela é
entendida como um sonho impossível. Algo irrealizável, fruto de nossa
imaginação apenas. Uma simples projeção de
imagens e idéias. Em princípio, seria algo que não está presente
aqui e agora. Nossa sociedade tem repelido a utopia. Dizem que o homem moderno
não pode ser utópico. Sem dúvida que se pensarmos exclusivamente do ângulo
apresentado, estaremos fugindo da realidade, do aqui
e do agora, e seu valor pode ser questionado.
Vejamos, porém, o outro lado da questão.
Se vivemos numa realidade que não nos satisfaz, há
necessidade de pensarmos numa nova. E essa nova perspectiva da realidade
só pode começar com a utopia, como um sonho. Quando colocamos à nossa frente
algo a ser perseguido estamos diante de um projeto utópico. Aliás, todo projeto
é sempre uma utopia, ou seja, é algo
que ainda não existe. Quanto mais claro e elaborado for esse
projeto, mais força reuniremos para direcionar as nossas ações na consecução daquela
meta.
Se concordarmos que o homem é um ser
social incompleto, inacabado e imperfeito, perceberemos que ele só pode se
realizar, individual e coletivamente, por meio de projetos utópicos que o levem
na direção do completo, do acabado e do perfeito. E por acaso não será esse fenômeno
a mola propulsora do nosso agir com sentido humanizante?
Igualmente um projeto pedagógico sério -
base para uma nova Educação Física - tem de ser dinâmico e estar constantemente
se renovando, constituindo-se numa eterna utopia que leve o homem a ser cada
vez mais e melhor do que é.
Claro que sonhar apenas não é
suficiente. É preciso agir. Mas agir em direção a alguma coisa. É preciso ter
objetivos. É preciso, sobretudo, ter finalidades. Somente um projeto (utópico),
levado às suas últimas consequências práticas, será capaz de mudar o nosso
destino.
A esse respeito
dou razão para Teixeira Coelho quando comenta: (...) é a imaginação utópico,
ponto de contato entre a vida e o sonho, sem o qual o sonho é uma droga
narcotizante como outra qualquer e a vida, uma sequência de banalidades
insípidas.
É ela que, até hoje pelo menos, sempre
esteve presente nas sociedades humanas, apresentando se como elemento de
impulso das invenções, das descobertas, mas, também, das revoluções. É ela que
aponta para a pequena brecha por onde o sucesso pode surgir, é ela que mantém a
crença numa outra vida. Explodindo os quadros minimizadores da rotina, dos
hábitos circulares, é ela que, militando pelo otimismo, levanta a única
hipótese capaz de nos manter vivos: mudar de vida.
Sabemos que qualquer tentativa de
mudança radical, que pretenda mexer com as estruturas da sociedade, esbarrará
sempre nas críticas e nos demais mecanismos que atuam em sua defesa. Tais
tentativas serão quase sempre devidamente eliminadas ou amenizadas. Os canais
por
onde deveria fluir a energia das pessoas, necessária à procura de
novos
rumos, são apropriadamente obstruídos. E é por aí que muitos
desistem
ao longo do caminho. Tornam-se acomodados, alheios a muitos
aspectos
básicos à sua própria vida, perdem a esperança, entram em
"estado de
coma", morrem.
Lamentavelmente a Educação Física tem
vivido excessivamente ao sabor da moda. Ela tem sido prática condicionada a uma
estrutura que a estrutura maior montou para ela. Seus profissionais não possuem
um projeto autônomo para colocá-la a serviço da nossa coletividade, valorizando
o corpo na totalidade de suas relações consigo mesmo, com os outros e com a
natureza. Essa área da atividade humana vem descambando obsessivamente para o
rendimento motor, da mesma maneira como o nosso sistema descambou
obsessivamente para o lucro.
Portanto, antes de um desafio
profissional, estamos diante de um desafio existencial. Estaremos aptos a realizar
as mudanças necessárias, dando uma nova dimensão à Educação Física? A palavra
está com aqueles que, ligados à área, ainda acreditam no ser humano. Com
aqueles que ainda são capazes de ter esperança, apesar de tudo. A eles
cabe o papel de assumir o movimento que redimensione as possibilidades da
Educação Física. A eles cabe, enfim, desencadear a revoluçc7o, lutando
em favor da autêntica humanização dessa disciplina. Mesmo porque parece não
restar outra opção.